Há tempos, uma colega minha dos seus cinquenta anos lamentou-se devido à situação de uma amiga próxima, de idade semelhante, que passava por um divórcio amargurado, pelo menos para ela, para a amiga. O marido tinha encontrado outra com metade da idade e já estavam a viver juntos.
Fora um duro golpe para a amiga. Ela, que cuidadosa e amorosamente depositava, todas as manhãs, sobre lençóis repuxados de brancura, a roupa que o marido deveria usar naquele dia, sem esquecer a gravata a condizer com o lenço. Como a gente costuma fazer aos filhos.
A amiga perguntava-se com mágoa, "o que é que eu fiz?, o que é que eu fiz?". Fez-me muita impressão. Essa colega que eu conhecia respondia-lhe, pelos vistos, que "a outra faz é coisas que tu não fazes. Tens de perceber isto, ela faz é outras coisas".
Estas outras coisas que uma faz e a outra não lembraram-me vagamente aquela música dos Beatles que é o "Please, Please Me" e que também tem a ver com isto, com o facto de haver pessoas que não fazem coisas, conduzindo assim a algum lamento por parte do sujeito poético, que queria que as mesmas coisas se fizessem, mas depois pensei que isto era eu a especular e a querer retirar ilações parvas, e não é de fazer ilações que se está aqui a falar.
Mas bom. Como não conheço esta pessoa que atravessou o divórcio nem falo há já muito tempo com a colega que me falou do mesmo divórcio, estou à vontade para tecer considerações, e tecê-las-ei.
Primeiro, o divórcio deve ser a maior merda. Sob todos os aspectos - se as pessoas ainda gostam uma da outra, é provavelmente horrível, se já não gostam, também deve ser uma tristeza perceber que houve um dia em que olhámos para aquele sapo/a ferrugento/a e o/a considerámos o maior príncipe/princesa à face da Terra. É triste.
Segundo, para as mulheres de uma determinada geração, ou de uma determinada pré-disposição e índole, há certas coisas que são sempre mais difíceis, porque as mãezinhas, as amiguinhas e a sociedade em geral atafulharam-lhes a mente de ideias, enfim... para não fugir do tema, chamemos-lhes ideias castradoras. Na adolescência, começa a fazer-se equivaler a qualidade do ser humano ao saber comportar-se segundo certos valores muito estimáveis, e dar-se ao respeito e etc. O mesmo, presumo eu, se passa com os homens. Não desviar muito da norma para não dar mau aspecto. Conformismos, diria qualquer pessoa que pertença aos Rage Against the Machine. É a vida, diriam todas as outras que, independentemente de gostarem de Rage ou não, são pessoas normais.
E porém, deve chegar ali uma altura em que tudo aquilo dá um nó, em que já não se sabe o que se quer, em que afinal a ideia do casamentozinho, da casa, do carro, dos filhos, começa a não parecer boa ideia, eh pá, como é que eu me meti nisto. E depois aparece alguém novo, que faz coisas que pelos vistos os outros não fazem, e abre-se a porta ao regabofe. Sai-se de casa, estraga-se tudo.Deve ser por isso que ouço tantas histórias de pais de família que começam a perseguir rabos de saias. E as mulheres matronas e casadíssimas a mesma coisa, apaixonam-se pelo primeiro gabiru que lhes aparece à frente - a pressão de fazer as coisas bem resulta nesta ironia de começar a fazer tudo mal, de ser desobediente. Ou talvez não.
É bom que se estrague tudo se estamos infelizes e precisamos de mudar. Se calhar não estamos a estragar tudo, estamos a arranjar. Mas a verdade é que não há nada perfeito, e crescemos nesta ilusão de que, ponto um, é possível ter tudo, ponto dois, ser boa pessoa é fazer tudo certinho, a partir de uma certa idade deixa-te lá de coisas que não és rebelde, és mas é ridículo.
Não se pode ter tudo. E podemos sempre arranjar maneira de não fazer aquilo que nos dizem, mesmo que seja difícil. Eu sempre fiz tudo o me diziam e continuo a fazer, infelizmente. Era e sou obediente. E a batalha da minha vida é essa, é lutar contra a obediência. Custa muito. Mas enfim, cada um com a sua cruz. No entanto, também é preciso aceitar que a vida nunca vai ser completamente perfeita, nem vivida em completa felicidade. Às vezes, há chatice com a qual temos de lidar. Saber distinguir a chatice da verdadeira infelicidade, daquela que nos deve levar à desobediência, é por vezes difícil.
E tudo isto porque a sociedade nos mete tralha na cabeça. Estou tão farta de tralha.
2 comentários:
a vida em sociedade supõe certamente a observância de certas regras de convívio, padrões (aceitáveis) de comportamento etc; e a mudança desse status é muito lenta etc; bom, se aceitamos e queremos conviver com isso, não podemos simplesmente culpar a sociedade integralmente pelo fracasso em nossos relacionamentos; no caso do divórcio, quando há filhos menores envolvidos, especialmente, acredito que haja uma dose grande de egoísmo (do casal) envolvida, além, claro, de ciúmes, insatisfação etc; a vida após o casamento exige renúncias e sacrifícios em benefício da família, e sobretudo dos filhos menores; e por aí vai, é o que penso neste momento
Jamil, sim, concordo que não se pode culpar a sociedade por todas as nossas frustrações, ansiedades e desejos não cumpridos. Mas também me parece que os objectivos que delineamos para nós são muitas vezes a correspondência com a sociedade e os valores culturais impostos, e não haveria problema se isso coincidisse com as nossas próprias aspirações individuais, mas muitas vezes não coincide. Pode ser difícil distinguir entre aquilo que nos faz feliz porque é o que queremos como seres humanos e aquilo que nos satisfaz porque vai ao encontro do que é culturalmente esperado de nós. Podem ser duas coisas inteiramente diferentes. Se não formos psicopatas e o género de pessoa que é feliz a matar outras pessoas, em princípio conseguimos algum equilíbrio. Afinal, viver em sociedade é tranquilo, dá-nos segurança e apoio, é bom. Não é do nosso interesse ser contra isso ou ir contra a ordem social se não a consideramos particularmente opressiva.
O que, acho eu, queria dizer com o post é que há decisões fundamentais que às vezes tomamos que são quase exclusivamente determinadas por esse desejo cultural de corresponder ao que a sociedade dita - como os casais que começam a namorar aos 15 anos e aos 27, em vez de acabar e começarem finalmente a viver e a conhecer mais mundo, decidem casar-se. É claro que isto é uma generalização e portanto é enganosa. Mas há casos assim, em que pensamos que queríamos uma certa coisa e, quando a conseguimos, vimos que não é assim, afinal eram os outros que nos diziam que devia ser assim, e não nós. E isto é diferente de adaptar o comportamento ao casamento e aos filhos, que evidentemente exigem mudanças. Quando fazemos algo heterónomo, que não vem de nós, chegamos a um ponto em que partimos tudo e toda a gente sofre. O ideal é encontrar sempre um ponto comum entre as nossas aspirações como seres humanos e a ordem social. Mas nem sempre é fácil.
Acho que era isto. Obrigada pelo comentário. :)
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