Não há coisa que me chateie mais do que o chamado "networking". Não percebo. Quer dizer, perceber, percebo, mas acho tão estranho. A internet diz que networking é "
interact with others to exchange information and develop professional or social contacts". Pois.
1 - "interact with others" - fale com pessoas que, na vida real, não lhe interessariam para nada, mas que talvez lhe possam trazer alguma vantagem profissional
2 - "exchange information" - sim, aqui talvez haja algum mérito. Troca de informação é sempre benéfica, mesmo quando esta é fundamentalmente para dizer que x ou y se está a divorciar e que isso tem afectado imenso o seu trabalho, e que portanto talvez haja hipótese de ele/ela ir parar ao meio da rua, logo deixando uma posiçãozinha por preencher, e talvez essa posiçãozinha possa ir para alguém, mormente o "networker"
3 - "develop professional or social contacts" - lembra-se dessas tais pessoas que na vida real não lhe interessariam para nada? Pois bem, se quer subir na vida, esqueça-se de quem é, seja simpático/a na medida certa, vista-se bem, ponha um sotaque ligeiramente afectado para que, apenas subtilmente, as pessoas pensem que é da Linha ou tem lá família, vá a certas missas para ver certas pessoas se a situação assim o exigir (para optimizar, vá a certas conferências e finja admiração por pessoas cuja o trabalho nunca leu), vá à Gulbenkian a certos dias, porque não ao S. Carlos em determinados dias-chave, e isso vai ter de descobrir quais são,
e encontre novamente todas essas pessoas que, na vida real, não lhe interessariam para nada. Corteje-as, seja simpático na medida certa, compre roupa a 20 euros na Zara mas use sapatos deslumbrantes. Conhece alguém em Bruxelas? Não interessa o que essa pessoa faz, se por acaso até nem vive bem, bem em Bruxelas, ou até nem trabalha bem, bem em Bruxelas, ou se por acaso até nem conhece essa pessoa bem, bem, Diga apenas que "tem um amigo que está em Bruxelas", assim-comá-assim ninguém está a dizer que esse amigo é seu íntimo e que trabalha na UE. As pessoas apenas vão assumir que sim, e é mais um ponto para o networker. E bom, se essas tais pessoas que não lhe interessariam para nada mencionarem que dali vão jantar a um qualquer "Pestana" e quejandos, diga que sim, que também estava a pensar lá ir, que graça. Vá, beba um copo, coma um bife, um folhado de alheira com puré de maçã, a recuperação da comida tradicional portuguesa, dos vinhos portugueses, dos alentejanos, dos douros, que maravilha. Finja que adora o que faz. Que a sua vida é aquilo. Cause boa impressão. Transforme-se, esconda quem é muito longe dentro de si e esqueça-se desse pequeno "eu" que só incomoda. Para que o conheçam e adorem no seu pequeno meio, tão
insignificante para o resto do mundo que se esboroa e que bem se está a borrifar para si (e ninguém sabe tão profundamente esta verdade como o "networker"). Smile and the world smiles with you, right?
4 - Regra de ouro - não esquecer que o Trump se aproxima da vitória, que a Síria continua em guerra, que a UE oscila e derrapa, e que o seu mundinho tão pequenino do networker, tão cheio de insignificantes vitórias, vai acabar em breve. E que ninguém quer verdadeiramente saber do "networker" para nada, especialmente aqueles a quem a vida concedeu privilégios, ou que os conquistaram. E que quanto mais pensa que sabe e conhece, mais rapidamente se aproxima do fim.
Fim (ou: por que não gosto do networking. Como diria um magnífico bicho do mato que muito prezo, "o menino dorme. Tudo o mais acabou").
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