Ai, meu Deus. Eu ando muito entristecida, a sério que ando. De coração partido. E porquê? Ao contrário do que seria normal, não se deve ao Corto Maltese (felizmente), mas antes às pessoas do meu próprio sexo, às mulheres em geral.
E a pergunta repete-se: porquê? Porque não compreendo esta necessidade ininteligível que as mulheres têm (ou, pelo menos, algumas têm) de se digladiarem até à morte em vez de, como dizia Germaine Greer, que também pode não ser grande exemplo mas às vezes dá jeito, se unirem num verdadeiro espírito de classe, tipo o proletariado ou os mineiros ou assim. Se uma mulher faz plásticas - velha, gaiteira, feia. Se tem filhos e deixa de trabalhar - preguiçosa, comodista, atrasada. Se tem filhos e trabalha - desgraçada, cheia de filhos e a ter de os deixar no horror indesculpável que é a creche. Se não tem filhos - egoísta, estúpida, incompleta. Se é casada - podia ter arranjado melhor. Se não é casada - solteirona, desesperada, gorda. Se tem dinheiro - dondoca. Se não tem dinheiro - vai acabar na má vida, Intendente ou pior. Se é tagarela - galinha. Se não é tagarela - arrogante, antipática.
Estes exageros poderiam continuar, mas não é preciso. Já todos os ouvimos, de uma forma ou de outra, e proferidos à descarada pela boca de certas mulheres.
Na verdade, a minha motivação para escrever este post é este artigo que li, daqui resultando que tenho de parar de ler jornais - essa cidadã exemplar que é a Cherie Blair (e este comentário em nada se relaciona com o marido da senhora, já que a mesma não precisa do marido que tem para ser muitíssimo exemplar, dada as histórias em que se enredou), continuando, a Cherie Blair acha que as mulheres que vão para casa e deixam de trabalhar dão muito mau exemplo à sociedade. Eu, em grande ingenuidade, pensei que o artigo arrastaria um sem-número de comentários a descompor a dita Cherie, mas não - ah, pois é, que vergonha, depender do marido é um atraso de vida, é medieval, é quase prostituição e assim e assado.
Chocante. Tudo isto é chocante porque, se hoje em dia se fala tanto em respeitar estilos de vida e opções alternativas, não deveria existir tanto alarido se alguém, homem ou mulher, decide ir para casa, tratar dos filhos e viver como bem entende, independentemente de depender do cônjuge ou de um qualquer patrão. Este tipo de calinadas, ainda por cima proferidas por alguém influente como infelizmente é a Cherie Blair, parecem-me muito perigosas. E parecem-me perigosas porque, se o feminismo lutou por alguma coisa e andou a queimar soutiens, foi por licenças de maternidade pagas, o direito a manter o emprego mesmo quando se tem filhos, o direito a ter um emprego (não a obrigação) e a possibilidade de finalmente sair do jugo da família e do marido. Esse jugo não tem nada a ver com ficar em casa com os filhos não por obrigação, mas por opção, assim como o feminismo nada tem a ver, quanto a mim, com ser forçada a trabalhar num emprego da treta, chegar a casa e ainda ter de fazer o jantar, passar roupa a ferro e enfim, viver duas vezes escrava, duas vezes proletária. Quando se criticam mulheres que preferem ficar em casa e se anuncia a obrigação de toda a gente trabalhar, ainda por cima de forma leviana, abre-se o precedente não para uma escolha livre e informada, mas sim para, mais tarde ou mais cedo, o atropelamento de certos direitos conquistados à custa de muitos sacrifícios ('se não precisa de ficar em casa a tratar dos filhos, também não precisa de uma licença de maternidade tão longa - pague-a você', por exemplo. O 'você', aqui, é propositado).
A verdadeira liberdade é poder escolher em consciência, sem ter de aturar juízos de valor deturpados, moralizadores. Sim, porque é tão moralizador e conservadorzinho criticar uma mulher por ir trabalhar como criticar quem escolhe ficar em casa. São opções.
E, no interesse da imparcialidade, devo declarar que eu não estou em casa, mas que alegremente irei para casa no dia em que considerar que esta é a melhor opção, e nem olho para trás.
Tenho um emprego e trabalho, e desejo apenas que todas as mulheres que querem ter um emprego o consigam encontrar - um bom emprego, onde sejam respeitadas e não tenham receio de ser prejudicadas por terem, ou quererem ter, filhos. E também desejo que aquelas mulheres que escolhem ficar em casa, porque para elas é a opção mais certa, sejam respeitadas e reconhecidas no trabalho que fazem (tratar de uma casa e de filhos é trabalho, e é difícil).
De modo que o meu desejo em geral é: mulheres de todo o mundo, uni-vos.
6 comentários:
Obrigada, obrigada. Gostei tanto de ler este texto. Obrigada, obrigada.
Boa Rita! Obrigada por escreveres isto!
Bem, pelo menos duas aliadas já tem.
Foi assim que todos os grandes movimentos mundiais começaram.
A união faz a força. :)
Mais uma!
diz a sábia da padaria da minha esquina "se fossem as mulheres a estar no governo nem havia crise, quem governa uma casa também governa um país."
Não comungando em absoluto deste entusiasmo, creio que a Rita e ela têm razão
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