quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A língua que não é doce como o mel

Is our language a function of our British cynicism, tolerance, resistance to false emotion, humour, and so on, or do those qualities come extrinsically - extrinsically - from the language itself? It's a chicken and egg problem.

Pois é. O grande Stephen Fry tem, como sempre, razão quando fala destas coisas da língua e da linguagem. Uma vez, na Expo92 (pois é... eu  sou uma pessoa assim velha), veio um indivíduo perguntar-nos, a mim e ao grupo de amigos com quem eu estava, de onde éramos. Respondemos de Portugal, ao que ele retorquiu "o vosso idioma é doce como o mel". Lembro-me de na altura ter pensado que, ou ele queria ser extremamente simpático por qualquer motivo, ou devia apenas conhecer o português do Brasil. Não consigo conceber ninguém a ouvir português europeu e considerá-lo "doce". Tem muitas outras qualidades, mas doce, melodioso, fofinho, não é. 
O português é duro, de ângulos agudos daqueles que o Cesário Verde gostava, ríspido, fechado, desconfiado, pouco simpático. A língua é assim porque nós somos assim? 
E, quanto a mim, o português também é carismático, expressivo, forte, gracioso e com piada. E seremos nós assim também? Ou calha a nossa língua ser assim, sem nada a ver connosco?
O signo linguístico é arbitrário, já dizia Saussure. De alguma forma, isto responde à questão. E porém, acaba por não responder. Se a linguagem é uma faculdade mental, então as nossas qualidades estão na língua que falamos. E se existe um imaginário colectivo, um país que partilha uma memória, um território, uma história, etc., então a língua também faz parte dessa partilha.
Conclusão: o português (europeu, reitero) não é doce como o mel porque os portugueses também não são. O português é antipático porque os portugueses também são. Mas o português tem piada e graça porque os portugueses também têm. E a língua é uma coisa que a crise ainda não afectou. É lixado não ter subsídio de Natal, mas a minha língua ainda é o português. Serve para alguma coisa, ou vai servindo. Para consolar.

1 comentário:

Pedro Jordão disse...

Já concordei mais contigo. Também costuma ver dureza na nossa língua, quando agora lhe vejo doçura. Não uma doçura insuportavelmente enjoativa como o italiano (dantes também não concordava comigo nesta parte). E acho que, em parte, a minha percepção se transformou por ter passado várias vezes por essa experiência de estrangeiros maravilhados com o som, pedindo-nos que falássemos um pouco. Ao início desconfiava. Depois percebi que era uma reacção sincera e generalizada. Acho que foi por isso que comecei a ouvir-nos de outro modo. Mas vai-se a ver e a percepção sobre nós próprios, incluindo o modo a que soamos, está sempre a mudar e é sempre enganosa.