quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Emparedados

Eu gosto de diferenças, e à partida penso que é relativamente fácil reconhecer que as diferenças são saudáveis, engraçadas, fazem-nos aprender, descobrir coisas novas, etc e etc. Continuasse eu a frase e isto ficava um manual da escola, Estudos do Meio e assimetrias regionais.
E, de facto, é um bocadinho de assimetria regional que se fala quando pensamos, por exemplo, no caso de Belfast, cidade que tem gente tão diferente, tão diferente que sente até a necessidade de viver em bairros diferentes, ir a escolas diferentes, apoiar equipas de futebol (e até desportos) inteiramente diferentes, falar inglês de forma diferente, passear-se por zonas da cidade diferentes, brandir bandeiras diferentes, professar religiões diferentes, ter empregos diferentes, cobrir paredes com grafittis diferentes, a parte católica bem mais agradável, aliás, do que a protestante ou "loyalista" - a primeira poemas e arco-íris na parede, a segunda UVFs e homens de balaclava empunhando metralhadoras. Muitíssimo acolhedor. 
No fundo, as pessoas de Belfast embirram um bocado com a diferença, daí preferirem a companhia daqueles que, em sua opinião, são semelhantes. Apesar dos esforços, tanto quanto sei bastante reforçados, de integrar nas forças policiais números equivalentes de católicos e protestantes, o pessoal continua a preferir ir directamente aos paramilitares para resolver os assuntozitos porque, afinal, nada existe que uma bulha não resolva. 
Porém, o impacto mais forte que a recusa da diferença provocou em mim não foi exactamente em Belfast, mas antes em Nicósia, essa remota capital do Chipre de que quase nunca se ouve falar, que ostenta (muito pouco orgulhosamente, como será óbvio) o título da última capital dividida da Europa. A gente vai a andar na rua muito bem, loja aqui, loja ali, pessoas atarefadas, e de repente embate contra um muro, quase do nada. Vê um arame farpado, um soldado a fazer a ronda (o soldado que eu vi até tinha cabelo comprido e brinco na orelha - devia ser para amenizar a coisa), e é assim, para o outro lado já não se passa. Quer dizer, passar até passa, há uns anos que é possível, é preciso é estar na disposição de mostrar passaporte, passar por controlo de segurança e quejandos. Também se pode subir ao último andar de um centro comercial lá por perto, com uma vista soberba para as montanhas do Chipre, e contemplar a grande bandeira turca cravada no topo das montanhas, na parte ocupada da ilha, a reclamar território bem reclamadinho.
Graças ao facebook, descobri este movimento, semelhante, de alguma forma, ao Occupy de Londres e de Wall Street, em que, pacificamente, uma série de gente passa as noites ao pé do muro na esperança de um Chipre unido. Não um Chipre semelhante - um Chipre em que toda a gente é diferente, mas toda a gente deixa os outros em paz. 
Os muros são, efectivamente, coisas muito primárias, se formos a ver bem. Coisas medievais, que não vêm de nenhum lado sem ser do medo. Quem não deve, não teme, e não precisa de muros para nada. 
Bom. Acabemos com os muros, é o que tenho a dizer hoje. 

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