quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Humor britânico ou tragédia grega


Concordo. Nem tenho muito mais a dizer - apesar de gostar de certo humor americano, encabeçado por Seinfeld e passando por coisas mais lamechas como a Modern Family, penso que não há humor que ultrapasse o britânico "no que concerne" a uma auto-imposta crueldade que nos faz sentir desconfortáveis, sabendo secretamente que já passámos por aquelas humilhações pequeninas, porém cumulativas.
Se é assim, porque não preferir a comédia americana, em geral mais boazinha e, exceptuando Seinfeld, com abracinhos e moral reconfortante no fim? Não sei, depende de cada um, porque cada um é como cada qual. Por mim, gosto do efeito catártico do humor britânico, daquela vergonha alheia ao ver o horrível e genial David Brent iludido na sua vida sem sentido, daquela sensação de desconforto ao assistir ao Peep Show e confrontar-me com personagens como o Mark e o Jeremy, imaturos, vazios, pouco inteligentes, com azar ao jogo, ao amor, à vida em geral. Por um lado identifico-me, por outro sinto um enorme alívio por não ser como eles (pelo menos, não me sinto como eles) - a comédia britânica acaba, por isso, por ter quase o mesmo efeito da tragédia grega, curiosamente. E todos os exemplos que mencionei provêm da televisão - no standup, os britânicos são completamente (ou ainda mais) arrasadores,
Nada contra o humor americano, mas as comédias de Judd Apatow ou Steve Martin, por  exemplo, entediam-me sempre. Só me rio com esforço, ou não me rio de todo. E porém, pérolas como Seinfeld são, para mim, imprescindíveis, sem falar sequer de Woody Allen, embora a causticidade deste tenha mais a ver, quanto a mim, com os ingleses do que com os americanos. Basta ver as versões que os americanos fazem das comédias inglesas para constatarmos como preferem adocicar tudo - o Shameless britânico é empedernido no seu retrato de uma certa classe de "chavs", ao passo que a versão americana nem sequer parece um programa sobre pessoas pobres, parece um programa sobre pessoas normais, bonitas e como o Guardian já observou, "com dentição impecável". 
De modo que é assim. O feio resulta mais para mim, e por isso acabo por ir para os britânicos.  Sabe-me bem respirar de alivio no fim, mas manter o secreto conhecimento de que a vida é como eles dizem, sem sentido e um bocado ridícula. E no entanto, vive-se. Ainda bem.

4 comentários:

Tolan disse...

Cuidado com a generalização :) o humor que os britânicos exportam é normalmente muito bom e o mesmo não se pode dizer do americano que tem coisas péssimas. Por acaso, o Office americano, por exemplo, é muito bom. Mas falando de sadomasochistic drive, recomendo-te o americano CK Louis. É o top, quer a standup, quer a excelente série dramática.

Vais gostar deste, woman! https://www.youtube.com/watch?v=BnDH-RXCptY

E este é o meu preferido, saddest handjob in america:
https://www.youtube.com/watch?v=Fmban3Fio14

Beatrix Kiddo disse...

nunca vi o Office americano, mas adorei o Britânico, assim como adorei Little Britain. Depois a solo gosto do Eddie Izzard

agora qual deles o melhor, If you ask me on a Monday, I would say YEEEEESSSSS

gostei de ler este post, era isso que vinha cá dizer :)

Rita F. disse...

Tolan, o Louis CK tem uma série dramática? Ou com isso queres dizer "de ficção"? É que já vi a série dele, mas era para rir. E tinha muita piada, por acaso, mas mesmo assim, ainda há ali salvação. Ele tem filhas, por exemplo, tem uma pequena redoma de amor. Os britânicos não têm nada, nada, nada que os safe. É a vida dura, cruel, cinzenta, em toda a sua humilhação e indiferença, e mesmo assim eles conseguem que tenha piada (evitando generalizações, claro :) ). Os americanos nunca resistem à redenção, ainda que seja ligeiríssima - o que é certo é que a salvação é sempre uma possibilidade, seja porque há família, ou porque a personagem se apaixona, ou porque encontra um bom emprego, ou isto ou aquilo. Os britânicos é ao contrário, a comédia se calhar até parte de uma situação normal, e no fim é a coisa mais desesperada que há. E a gente a rir.
Ainda evitando generalizações, parece-me que em geral os americanos são muito bons na narrativa/drama. O Office americano é bem giro, como dizes, e quando lá estava o Steve Carell era verdadeiramente engraçado (Beatrix, tens de ver, vale de facto a pena). Hoje em dia, continua a ser bom, mas não como sitcom - o Office vai buscar coisas ao género da série, ao da telenovela, e dá vontade de ver porque queremos saber o que vai acontecer ao Jim e à Pam, agora que o casamento não está a correr assim tão bem. A série ainda tem piada, mas não como comédia "edgy" como o Office britânico sempre foi, por exemplo.
No entanto, se formos ver casos de séries como os Sopranos ou o Wire, aí os americanos reinam incontestavelmente. Não há nada que os britânicos (que também têm boas séries dramáticas) ou quaisquer outros consigam fazer que se aproxime da profundidade narrativa, e até documental, de um Wire.
Isto tudo, obviamente, evitando generalizações. :)

Tolan disse...

concordo contigo :)

E quanto a série dramática, a do CK Louis é esquisita, aquilo para a frente começa a ser apenas dramático, até funciona contra a série... uma pessoa fica confusa, parece que ele perde a piada de repente e os episódios são apenas tristes.