A BBC passou, na semana passada, uma série de programas sobre o grunge e os Nirvana. Por coincidência, foi a mesma semana em que vi o excelente documentário de Cameron Crowe sobre os Pearl Jam, 20.
A primeira vez que ouvi Nirvana foi com o omnipresente Smells Like Teen Spirit, e fiquei abismada com aquilo. Por um lado, achei horrendo e o Kurt Cobain o homem mais feio que já alguma vez vira. Qual era a ideia de não pentear o cabelo, ainda por cima quando se era louro? Não percebi. Por outro lado, acho que tudo aquilo me fascinou.Nunca tinha ouvido nada assim. Ainda hoje gosto de ouvir Nirvana (embora sem pretensões de ser uma grande fã, porque nunca fui), portanto acho efectivamente que a distorção das guitarras e a voz roufenha do Kurt me fascinaram mesmo - e aquele suspiro quando canta Where Did You Sleep Last Night (
aqui, minuto 3:58) ainda hoje me mata. Acho que este homem era um grande intérprete, de facto.
O documentário que vi relatava as últimas 48 horas de Kurt Cobain (há em DVD, capinha aqui ao lado) e discutia aquilo que, segundo sei, já muito se discutiu anteriormente sobre Cobain - que era atormentado pela fama; que, se por um lado queria fazer dinheiro, por outro vivia esmagado sob o peso da fortuna e da opulência com que subitamente fora bafejado; que lidava malíssimo com o facto de se ter tornado uma figura de culto e de ter gente que o adulava, que o "seguia"; que de alguma forma sentia que a fama e o sucesso não eram merecidos (e mostra-se imediatamente uma entrevista em que Cobain diz que havia, na altura, dezenas de bandas muito melhores do que os Nirvana que mereciam ter alcançado o sucesso destes últimos; há igualmente depoimentos de uma série de pessoas da cena musical de Seattle, antes desta se ter tornado mundialmente popular e toda fixe, a dizer que, enquanto os Mother Love Bone, antecessores dos Pearl Jam, haviam sempre gozado de grande popularidade, os Nirvana eram os parentes pobres da altura, perdedores em todos os aspectos; até há alguém que diz algo como "até para Seattle eles eram uns falhados").
E porém. A história que se segue é bem conhecida - sucesso e vendas retumbantes, suicídio e miríades de explicações que se seguiram depois da morte de Kurt Cobain, da paranóia (foi assassínio, mas é!), à solidária (coitado, tinha problemas de estômago e era um grande viciado), passando pela idólatra (ah, que sensível, que profeta atormentado, a fama foi demais para ele, as grandes almas são assim, não são para este mundo).
E porém. Kurt Cobain conseguiu fama e dinheiro. Sucesso propriamente dito, talvez não. E conseguiu fama e dinheiro porque merecia, ou porque teve sorte, porque a MTV decidiu passar o Smells Like Teen Spirit vezes sem conta? Uma colega minha da faculdade, daquelas parvas irredutíveis, dizia que não percebia o apelo dos Nirvana, já que o Cobain cantava mal e era muito "imperfeito" a tocar guitarra. Para mim, a falta de técnica de alguém não significa que não tenha talento (a Celine Dion é muito perfeita a cantar e não tem pinga de talento, por exemplo). Eu, por acaso, acho que Kurt Cobain era talentoso. Outros dizem que não, que teve apenas sorte e que, para voltar a Smells Like Teen Spirit, esta canção não passa de um riff do More Than a Feeling dos Boston, apenas mais acelerado e com mais distorção.
Aquilo que eu queria verdadeiramente dizer, e que por alguma razão anda aqui aos solavancos, é que Kurt Cobain é apenas um exemplo de uma questão maior, mais "abrangente" (que palavra cómica, eh eh) - o que é, verdadeiramente, o talento? Truman Capote, como sempre soberbamente consciente de que esta qualidade era algo que ele tinha em abundância, descreve o talento como um chicote que fustiga as pessoas talentosas permanentemente, sempre à procura de mais e melhor. Foi este chicote que levou Cobain ao suicídio? É que acredito que, efectivamente, o talento e as suas consequências possam ser tão avassaladoras que acabem por redundar em destruição (e a História mostra-nos uma data de exemplos disto). Por outro lado, é também certo que o "talento" é difícil de identificar, e muitas vezes confundido com campanhas publicitárias audaciosas, marketing manipulador, fogo de vista, espectáculos para encher o olho, atitudes, roupas, cabelos, entrevistas cuidadosamente estudadas e planeadas, etc. - e a atitude blasé, de recusa de qualquer coisa, dos Nirvana e do grunge em geral, que me atraía na altura e continua a atrair, pode talvez não passar disso. Eu sempre vi ali qualquer coisa de genuíno, tal como hordas de outras pessoas, mas talvez tudo isto de que falo seja tão genuíno como a Jennifer Lopez (que, coitada, já avisou as pessoas de que é apenas a Jenny from the block, genuinazinha de morrer).
Mas enfim, não tenho resposta nem mais nada a dizer, a não ser que, ontem tal como hoje, se eles queriam todos ser o Kurt Cobain, juntar-me ao grunge era a mais lógica solução (frase sábia, esta, que devia vir entre aspas, pois obviamente não é minha. Mas aspas são feias e já usei muitas neste texto). E nunca me arrependi.