sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Coisa que não compreendo: "trata"

Não é que não compreenda o "trata"; o que não compreendo é porque é que eu sou a única pessoa que tem de apertar a cara para não rir quando vê um carro a circular com o aviso "trata - número de telemóvel qualquer". Às vezes, não é só em carros, também é em terrenos - "trata", seguido de número de telefone. E casas, também - "trata". E motas - "trata". E lojas vazias - "trata".
Passei décadas sem perceber isto. Mas porque é que as pessoas não escrevem "vende-se", que é mais explícito e com certeza cumpre melhor o objectivo delas, que é efectivamente vender qualquer coisa? Porquê o "trata"? Trata de quê? Se eu puser "trata" no carro, quer dizer que sou mecânico, que trato de carros? Se puser "trata" num terreno, quer dizer que sou guarda-florestal e dou uma perninha como empreteiro e tipo, trato da casa e do jardim? Trata o quê?
E pensei nisto e pensei nisto e voltei a pensar, e gostava de pensar nisto, porque me fazia rir, mas sempre sem perceber (não podia ir ver à wikipedia porque nessa altura não existia internet). Até que comentei a temática com alguém mais esperto que me informou que, por razões legais, os particulares (isto é, os cidadãos particulares) não podem andar por aí a expor sinais de "vende-se" ao Deus-dará. Não, não. Tem de ser "trata", de "trato próprio", ser o próprio a tratar e isso. E isto de facto faz sentido, porque lembro-me de, durante muitos anos, as pessoas escreverem "trata o próprio", e não apenas "trata". Qual é a ideia de reduzir a expressão deste modo, tornando-a tão críptica? "Trata"! - pode significar tanta coisa. Trato-te da saúde. Trato-te da vida - tudo coisas à Máfia. Penso no Michael Corleone a despachar o desgraçado do Fredo e fazer um apontamento mental na agenda - "trata".
Agora que penso (ou continuo a pensar) nisso, talvez a ideia seja mesmo manter a expressão críptica, indecifrável, inteligível apenas para os iniciados, para fugir da bófia e do sistema legal, uma coisa à cockney, o melhor exemplo de linguagem anti-sistema. "Trata", o mote do rebelde que só outro rebelde pode compreender.
Trata. Trata.
Amanhã se calhar escrevo outro post, ou melhor - trata.

1 comentário:

fado alexandrino. disse...

Um post muito interessante , como aliás são todos os da dona do blog.
Explicação:
Vende-se é como vamos para a cama (pode dizer-se de outras maneiras mas aqui não fica bem).
Trata-se é como, gosto muito de ti, és linda, nunca vi nada igual, vamos para a cama.
Resumindo como diria Toffler (um nome tirado ao calhas para abrilhantar) nunca digaas tudo ao que vais de início