quinta-feira, 18 de julho de 2013

Hoje estava a pensar que este mundo é mesmo lixado. Em que raio de mundo é que é possível que um George Zimmerman seja absolvido depois de ter assassinado, disparando à queima-roupa, um adolescente desarmado, ao mesmo tempo que as desgraçadas das Pussy Riot passem dois anos num campo prisional crudelíssimo , longe dos seus filhos, por terem cantado uma canção de protesto numa igreja?
A tal vã filosofia de que Shakespeare falava, a mesma que não alcança tudo o que se passa entre o céu e a terra, não alcança mesmo. Pelo menos, a minha parca filosofia não alcança. Suspiro. 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

A crítica fácil

No Expresso desta semana, a revista Actual tem o Dan Brown na capa, o que se percebe, porque diz que tem novo livro à venda. Pensei que fosse uma entrevista com o homem, o que seria de esperar num suplemento de um jornal, mas não, o que há é um longo texto da Clara Ferreira Alves a descascar em Dan Brown, com os mesmos argumentos previsíveis de sempre e com uma pretensão que me parece não ficar muito longe daquela que imputa ao mesmo Dan Brown.
Esta crítica ao homem, sinceramente, já cansa. Aquilo que a Clara Ferreira Alves diz do novo livro de Brown aplica-se sem tirar nem pôr ao Código Da Vinci e, aposto, a todos os outros livros que Dan Brown publicou ou publicará. Mais, tudo o que ela diz (e que são críticas absolutamente pertinentes, disto não há que duvidar) já se disse antes a propósito do Código. Para quê repetir os mesmos argumentos estafados? O Expresso não encontra mais nada com que encher três páginas? Ponham a senhora a falar de outra coisa, ela ao menos tem opinião sobre tudo e ainda bem.
Apesar de me ter divertido com o Código Da Vinci, que li e que não me arrependo de ter lido, reconheço que é um livro trapalhão e que não está assim muito bem escrito. Concordo com CFA quando diz que o que Dan Brown escreve não é literatura. E então? Paulo Coelho também não é, e as pessoas gostam. Aquela do 50 Sombras também não deve ser, e as pessoas gostam. Vem assim tão grande mal ao mundo? Os grandes clássicos, os bons escritores, continuam e continuarão sempre a ser lidos. Inevitavelmente, estes últimos ficarão para a história e ganharão massas de leitores através dos tempos, ao passo que os "escritores" estilo Dan Brown ganham massas de leitores num momento histórico específico, e passado umas décadas ninguém se lembra deles. Sempre foi assim, sempre assim será. Não vejo onde está o problema, as pessoas que leiam o que quiserem, o que quer que seja que as torne feliz.
Este texto poderia muito bem ser uma defesa de Dan Brown, mas não é. Nunca na vida o defenderei, e não é por ser mau escritor ou por não escrever literatura, porque com isso posso eu bem. Como disse, até achei o Código Da Vinci bastante divertido. Não defendo Dan Brown, e espero que arda no Inferno sobre o qual gosta aparentemente de escrever, porque é um mentiroso. Isto, sim, é verdadeiramente imperdoável, especialmente considerando que se trata de alguém lido por milhares de pessoas. Sem aquele fim desastroso, escrito por quem efectivamente não sabe escrever, o Código Da Vinci até se aguentava; na verdade, conseguiria suportá-lo mesmo com o tal término incompetente da história. O que não suporto, porém, é ler um livro que goza com a minha cara e insulta a minha inteligência, que é o que Dan Brown faz a todos os leitores ao declarar, numa espécie de epígrafe, que a existência do Priorado do Sião é um "facto" e que Leonardo Da Vinci fez parte dessa tal organização. Não foi Dan Brown que inventou este Priorado fictício, mas toda a gente sabe que não passa disso mesmo, de ficção, de invenção - minto, não é ficção, é uma mentira, e Dan Brown, quando escreveu o seu livro na esperança absolutamente fundada de ganhar milhões, sabia disso muito bem e escolheu mentir e enganar, a troco de lucro que não merece (mereceria os seus milhões se o seu livro fosse um best-seller honesto, mas não é). 
É a mentira de Dan Brown, a sua profunda desonestidade intelectual da qual ele não parece envergonhar-se minimamente, que o torna tão mau. Clara Ferreira Alves aflora isto, ao acusá-lo (quanto a mim de forma mais rebuscada do que seria desejável) de não investigar as coisas como deve ser, de ir pelo caminho mais fácil (Wikipedia e toca a andar). Mas todo o seu esforço de retórica mereceria ir ao cerne da questão e chamar as coisas pelos nomes - Dan Brown é mentiroso. 
Não é preciso dizer mais.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Televisão vs cinema

A propósito deste post do Tolan, lembrei-me de uma coisa de que já queria falar há algum tempo, e que concerne toda a problemática das séries de televisão, mormente séries de televisão vs cinema. É uma problemática que concerne, de facto. 
Bom, e agora que já não me apetece andar a brincar com palavras caras, e além disso feias, vou passar à temática (rima com problemática) que me leva a escrever o post, que é então séries de TV. Há uns anos atrás (não vejo aqui erro nenhum, estou já a avisar; quanto muito vejo um pleonasmo, mas erro gramatical em "há anos atrás", sinceramente, não vejo), dizia, há anos atrás a televisão era um parente mais que pobre, paupérrimo mesmo, do cinema; quando os actores passavam do cinema para a televisão, era sinal de que a carreira estava no último fôlego, como aliás se vê pela pobre Mira Sorvino, excelente actriz que depois do Óscar passou a filmes de cinema da treta, depois a filmes de TV da treta e hoje ninguém sabe dela. Eu, pelo menos, não sei.
Hoje em dia (isto também está mal, é? Se "há anos atrás" é erro, porque é que "hoje em dia" também não é? Não se devia dizer só "hoje"? Pois, pois.), dizia, nos dias de hoje (melhor), a televisão está melhor do que nunca, com séries irrepreensíveis, direcção de actores impecável, narrativas complexas, muitíssimo bem escritas. É claro que isto não se passa com todas as séries de televisão, mas passa-se com muitas, a saber Sopranos e o Wire (deve haver outros exemplos mais recentes, mas eu continuo fixada nestas duas séries, em respeito maravilhado). Enquanto o cinema americano se embrenha em filmes inanes e adolescentes a 3D, a TV recompensa o adulto cota. Como dizia Pedro Mexia na sua crónica sobre a morte do querido James Gandolfini, há umas semanas atrás, os Sopranos trazem-nos a televisão adulta, complexa. Por acaso, esta crónica de Pedro Mexia está bem interessante, principalmente quando fala da tristeza que Gandolfini trazia à personagem de Tony Soprano, aquela sensibilidade magoada que às vezes víamos no seu olhar e que nos fazia gostar dele. Coitado do homem, quero lá saber se ele é padrinho da Máfia, ele até é boa pessoa, pensava eu. Até pensava mais - ele é mesmo boa pessoa. 
E, quanto a mim, o grande triunfo da televisão americano é precisamente este - o de criar personagens tão bem concebidas, intrincadas numa narrativa tão desenhada, que, durante aqueles 40 minutos em vemos o episódio, acreditamos que elas são mesmo pessoas, e não o produto de uma qualquer imaginação para vender a série e ganhar dinheiro. A força da personagem é cada vez menos conseguida no cinema, penso eu, e cada vez mais conseguida na televisão. As duas personagens maiores, para mim, são Tony Soprano e, principalmente, Omar Little do Wire. O Wire é uma série num tom muito mais documental (o próprio criador da série, David Simons, disse estar muito mais interessado no género do documentário do que no da série), de modo que a vida íntima das personagens, as suas redes familiares, de afectos, as suas tormentas mentais, são pouco exploradas, ao contrário do que acontece nos Sopranos, herdeiro mais directo da telenovela e que retirou deste género todas as vantagens, livrando-se de todas as desvantagens. No entanto, a força da personagem está bem presente no Wire, de Avon Barksdale a este magnífico, avassalador Omar Little, justiceiro, traficante de droga, gay, orgulhoso da sua vida de crime, seguidor fiel do código de valores que cria para si próprio (nunca envolver "civis"), absolutamente arrasador no seu longo casaco de abas ao vento, espingarda ao ombro, a entoar um assobio que faz com que toda a gente corra para casa para não se deparar com ele. Nunca vi coisa mais épica em televisão. 
E é assim, às vezes vale mais a pena ver uma série do que ir ao cinema, infelizmente. Digo "infelizmente" porque, apesar de tudo, cinema é cinema e nada se compara. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Curiosidade zoológica

Acontece em todo o lado, não é só em Portugal. Gente confortável, de vida confortável, com empregos confortáveis, provindos de família confortável de quem herdaram a casa, a conta bancária, as boas maneiras, o sotaque, gente que se pode reclinar na sua poltrona confortável, olhar pela janela, olhar o trânsito da Avenida de Roma ou Estados Unidos da América ou qualquer outra avenida em qualquer outra parte do mundo e observar tudo com a curiosidade de uma criança no jardim zoológico, o mundo lá fora, os pobres, os autocarros com pobres, a entrada cavernosa do metro, nestes dias de calor deve cheirar tão mal,  e no entanto os pobres lá andam na sua vida, não quer dizer que sejam más pessoas, nasceram assim, sempre existiram, sempre hão-de existir. Servem para alimentar a curiosidade zoológica da gente confortável, que nunca se espanta com a miséria dos outros. Talvez a lamente, mas nunca se espanta, a miséria sempre existiu, sempre continuará a existir, há pessoas assim, pessoas muito coitadas, que servem para a gente fazer alguma caridade, porque devemos sempre um pobre de estimação, como as tias do Lobo Antunes ("eu sou o pobre da menina Teresinha"), e às vezes até se pode dar emprego aos pobres, precisa-se de uma empregada e os pobres estão lá, precisa-se de um taxista e os pobres estão lá, precisa-se de um secretário e os recém-licenciados pobres estão lá, a estes podemos pagar 700 euros que para eles já é muito e até agradecem, mas nunca por nunca aceitaremos uma miséria destas para os nossos filhos.
Há muitos anos, tinha uma amiga indiana, que entretanto desapareceu da minha vida. Não faço ideia do que está hoje a fazer nem se voltou para a Índia. Ela era Brahmin e os pais davam trabalho a alguns "intocáveis" lá na casa deles, jardinagem, limpezas, etc. Uma das intocáveis roubou uma coisa e os pais da minha amiga descobriram. Não despediram a senhora, mas fizeram-na pagar o valor do que tinha roubado em prestações. "De outra forma, se a despedíssemos, o que ia ela fazer? É que eles são mesmo pobres", explicava a minha amiga. E encolhia os ombros, como se a coisa mais normal do mundo fosse existir gente "mesmo pobre", intocável de tão miserável. 
Acontece em todo o lado.