quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O insustentável peso da escolha

Descobri na Slate este mini-documentário bonito e triste sobre os perigos devastadores de enviar mensagens enquanto se conduz. No entanto, não é só sobre isso. Como diz um dos entrevistados, responsável pela morte de uma família, é sobre o poder da escolha. Escolher, tomar uma decisão e viver com as consequências.
Na maior parte das vezes, escolher é inofensivo, e ainda bem. Não conseguiríamos viver de outro modo. Mas também há escolhas que são apenas aparentemente inofensivas e mudam-nos a vida de um momento para o outro. 
E hoje é tão fácil estarmos distraídos. Há tanta coisa para nos preencher a mente tão aparentemente inofensiva. Lembro-me de ver uma rapariga nova de auscultadores nos ouvidos, daqueles enormes e giros, da moda, a dar um passo em frente para atravessar a estrada. Acontece que ela estava em Londres, e acontece que estava em Tottenham Court Road, uma rua feia e suja em pleno centro da cidade, em plena hora de ponta. E acontece que alguém a puxa violentamente pela camisola e a obriga a recuar, deste modo evitando, por uma nesga, um enorme autocarro de dois andares que acelerava pela longa rua, já que os semáforos estavam a vermelho para os peões. Eu ia para o metro, nem sequer queria atravessar a porcaria da rua, mas ainda vi a rapariga a chorar, descontrolada, provavelmente a pensar no que seria dela se ninguém a tivesse ajudado. A alma caridosa que a tinha puxado já se tinha posto a milhas, suponho eu porque descargas emocionais são coisas pior que o pecado num sítio como Londres, e eu até percebo. 
Esta rapariga também tomou uma decisão, também fez uma escolha. Escolheu pôr auscultadores, escolheu atravessar a rua. E alguém escolheu tomar atenção e ajudá-la. 
Escolhemos sempre, mesmo quando parece que não, mesmo quando parece que estamos apenas a deixar que a vida passe e que não temos nada a ver com isso. Gostamos de chamar a isto coincidências, mas interrogo-me se as coincidências existem, ou se também elas são o resultado das nossas escolhas.
Sim, parece-me que escolhemos sempre. Mesmo quando a culpa não é nossa. 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

"É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade"

Bom. Ouvi as notícias hoje de manhã na Antena 1, e entre outras coisas dizia-se que as queixas relativas ao sector privado de saúde superavam o número de queixas do sector público, em número elevado. Ok, registado.
Estou a passar os olhos pelo Público e deparo-me com isto:
Saúde: queixas diminuem no sector privado e aumentam no público
Hã? Então há um órgão de informação que me diz uma coisa e outro órgão de informação que me diz exactamente o contrário? O que se passa com os jornalistas dos órgãos de informação deste meu país estranho, que não sabem pintar e/ou fazer o seu trabalho? Fiquei agastada, e isto enquanto tomava o meu Milo quentinho. Estragar o Milo a uma pessoa não é correcto, especialmente considerando que nos tempos mais próximos não o vou poder beber, já que uma lata de 400g custa €4.99 e, sinceramente, também fico bem servida com o Nesquick ou Suchard. Não são bem a mesma coisa, mas pronto.

Continuando.Lembrei-me de continuar a ler a notícia. Achei boa ideia, pelo sim pelo não. E dizia-se, logo no lead, que Relatórios da Entidade Reguladora da Saúde mostram tendência de aumento das queixas no sector público, desde 2008. Mas ainda é no privado que mais se reclama.

Ah! Assim, sim. Assim, a gente já percebe. Tudo uma questão de perspectiva, não é? A perspectiva é a base. É a basezinha. Daí eu ter-me lembrado deste grande anúncio, que deixo abaixo.
Obrigada pela atenção. Fim.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Say thank you

Descobri hoje que existe uma coisa, um "movimento", à falta de outra palavra, designado por "pós-feminismo". Eu tendo a desconfiar de tudo o que vem colado ao prefixo "pós", e este novo "pós" que descobri não foge à regra (de me fazer desconfiada, quero eu dizer).
Talvez se deva apenas à minha ignorância, já que ainda não conseguir ler muito sobre isto. As informações da sempre utilíssima Wikipedia não me deixam, porém, muito descansada (negritos meus):


Sim, eu gosto de pensar que o feminismo conseguiu já grandes avanços na emancipação da mulher e na conquista da igualdade de direitos, pelo menos no mundo ocidental. Pelo menos, já podemos conduzir um carro, viajar sem autorização dos pais ou do marido, divorciarmo-nos. Contudo, as mulheres continuam em geral a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, continuam a ser prejudicadas na maternidade a que têm direito (contratos não renovados depois da licença, empregadores relutantes em contratar mulheres em idade fértil, não vão elas desatar a ter filhos), continuam sujeitas a piropos indecentes na rua e a aprender que isto tudo faz parte da cultura, que é de aceitar e nunca de responder, continuam vítimas de violência doméstica em números assustadores, continuam vítimas de preconceitos vitorianos, criminosos, face à sua sexualidade, ou às imagens estereotipadas sobre a sua sexualidade. E isto tudo, apenas no mundo ocidental - se falarmos na situação das mulheres do Sudão, da Arábia Saudita, sei lá eu, nunca mais saímos daqui. 
Portanto, faz-me um bocadinho de impressão que alguém (principalmente se esse alguém é uma mulher) vir dizer que o feminismo já fez muito para reduzir o sexismo, e estamos agora prontas para passar para a fase do "pós". Um bocadinho de impressão, só. É que eu não acho nada que a fase do "pós" esteja sequer iminente. Se alguém tem problema com a palavra "feminismo", porque é muito radical, ou muito extrema, e não se quer meter nessas cavalgadas, tenho muita pena. O problema é deles, e infelizmente delas. O feminismo, para mim, faz sentido, e é uma palavra, um conceito, uma noção que recuso deixar de utilizar, em que recuso deixar de pensar. Podemos discutir que feminismo é este - não será o de Valerie Solanis, mas também nunca foi, verdade se diga.
Ouvi há alguns anos uma feminista inglesa (não me lembro do nome dela, mas se a vir sei quem é) queixar-se, agastada, porque verificava que as miúdas dos dias de hoje não gostavam do feminismo e criticavam as pessoas da sua geração (a geração dessa velha feminista) por serem muito radicais e por terem andado a queimar soutiens. E dizia a velha feminista - nós lutámos por vocês. Say thank you, dizia ela, enervada. 
Por mim, agradeço desde já e continuarei a agradecer sempre às sufragettes, aos anos 60 e à queima de soutiens e a todas as feministas dos dias de hoje que defendem a igualdade e lutam, da forma que consideram adequada, para que todas as mulheres possam levar a vida que entendem, ao lado dos seus homens ou sem eles, se assim o desejarem. Como quiserem. 
Thank you.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Ei-lo que volta!


Viiiiiiiva!

O complexo-Ashley Wilkes

Ashley Wilkes é uma personagem de Tudo o Vento Levou, e das mais desprezíveis que eu já vi em cinema. Quem já viu o filme sabe porquê, mas para quem ainda não viu, eu explico - a protagonista do filme, Scarlett O'Hara (insuperável Vivien Leigh) passa o filme perdida de amores por este Ashey Wilkes, que como ela é herdeiro de uma enorme plantação do sul dos EUA, até rebentar a Guerra Civil e perderem tudo. O Ashley Wilkes encoraja, de forma subtil e melosa, o amor de Scarlett de tal forma que esta até pensa que ele a vai pedir em casamento e tudo, até descobrir que Ashley vai mas é casar com uma prima, a impossivelmente boazinha Melanie. Scarlett fica destroçada, não tem outro remédio senão ir casando com outros homens para se entreter, ainda por cima ela que é dura, fogosa, deslumbrante, mas sempre que confronta Ashley com as cinzas do seu amor, ele diz-lhe "oh, gosto tanto de ti, oh, lembro-me de ti quando eras menina, cheia de pretendentes, e tenho tantas saudades, oh, és tão maravilhosa", e o resultado obviamente é Scarlett pensar que ele gosta tanto dela como ela dele, apesar de Ashley estar casado com outra e gozar de um casamento feliz. Entretanto, o último marido de Scarlett, um canastrão absolutamente delicioso chamado Rhett Butler, ama-a perdidamente até que perde a paciência, diz-lhe "frankly, my dear, I don't give a damn", e vai à sua vida à procura de uma mulher que o faça feliz e que não desperdice beleza e juventude com arremesos de cio adúltero para cima de homens inanes como Ashley Wilkes. O trágico disto é que, no momento em que Rhett se vai embora, Scarlett percebe que perdeu a vida toda em perseguição de um amor que não existe, que Ashley nunca gostou dela, que ela gosta verdadeiramente do marido Rhett, e que agora é tarde demais. A oportunidade passou.
Onde é que eu quero chegar com esta história toda? Quero chegar a isto - há pessoas, como Ashley Wilkes, que enfermam desta cobardia subtil, que nunca assume nada, e que portanto também não tem de recusar nada. Isto é particularmente grave quando, por via deste modus operandi, conseguem que as outras pessoas passem a vida toda à espera deles. Se há alguém com a miséria de se apaixonar por eles, os Ashley Wilkes desta vida rebolam-se na adoração, porque adoram ser adorados; não querem é ter de assumir nada, e se a pobre mulher se tenta libertar, eles arranjam maneira de apertar a corda à volta do seu pescoço, "ah, mas eu tenho tantas saudades tuas", "ah, eu adoro-te, tens é de me dar tempo", e etc. e tal.
A Scarlett passou a vida toda à espera de um homem que nunca foi forte o suficiente para lhe dizer na cara que não queria nada com ela, nem decidido o suficiente para ser adúltero e assumir um affair, um divórcio, o que fosse. Estes homens (e mulheres, porque também há mulheres assim) são uma espécie de lesmas peganhentas que não sabem por onde ir e agarram-se ilegitimamente à afeição dos outros, como parasitas. E o pior é que conseguem, por vezes, que lhes dêem muita afeição, porque na verdade toda a gente quer ter alguém na sua vida, e o Ashley Wilkes disfarça bem o cobardolas que é.
Quem se deixa apanhar por esta gosma tem de ter a presciência e consciência de dizer que não, sob pena de perder aquele momento da vida que nunca mais se repetirá, e que nos passará ao lado por perdermos tempo com a pessoa errada. Mas as ilusões conseguem ser quase tão poderosas como a realidade, e dizer que não, às vezes, é difícil. Este post é só para dar uma fórcinha, como diria o grande Herman. Fim.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Pela milionésima vez, Rebecca (spoilers)

Eh pá, estou tão farta de ouvir dizer (ler, para ser mais precisa) que a Mrs Danvers estava apaixonada pela Rebecca, e que a sua devoção por esta última era um grande subtexto para demonstrar uma relação lésbica e etc. e tal.
Ao ler o livro, conseguimos perceber que Rebecca era um espírito muito livre, muito dado à rambóia, e que provavelmente não lhe interessaria distinguir entre homens e mulheres, desde que se divertisse com um ou com outro. Fala-se imenso da possível bissexualidade de Rebecca, e penso que o livro o dá de facto a entender.
Mas o caso de Mrs Danvers é inteiramente outro. A sua história com Rebecca é uma história de amor profundo, sim, mas o que me parece óbvio é que é de amor maternal que se trata. Quando Rebecca morre, Mrs Danvers perde a sua única filha, a única pessoa que ela amava mais do que tudo, por quem daria a vida, a pessoa que justificava a sua própria existência. O ódio, a amargura de Mrs Danvers, aquilo que a encerra numa morte em vida vem do facto de ter perdido aquela a quem queria como uma verdadeira filha. 
Não admira que ela passe o livro todo em esquemas odiosos, a tentar tramar a pateta da segunda Mrs de Winter (ai, meu Deus, tenho sempre uma vontade tão grande de lhe pregar um tabefe para ver se lhe dá a espertina!). Mrs Danvers tem de recuperar, sozinha, da morte da filha e ainda tem de aturar uma tonta que casa com o marido da filha, que vem ocupar o lugar da filha, e que ainda por cima é uma mosca morta que não sabe o que há de fazer à vida (e está viva, ao passo que Rebecca está morta).
Isto tornou-se claro para mim ao ler aquela cena, tremenda, em que a segunda Mrs de Winter encontra Mrs Danvers no antigo quarto de Rebecca (preservado como no dia da sua morte) e ela, Mrs Danvers, depois de destilar toda a sua fel, começa a chorar, de boca aberta, sem lágrimas. Este "choro seco", como é descrito no livro, pareceu-me condensar um sofrimento horrível, insuperável, de quem perdeu uma parte de si, um filho. Horrível.
É só isto.

Livros electrónicos não são para mim

Eu pensei que me habituaria a livros electrónicos, mas a verdade é que não penso que isso vá acontecer. Não me dá jeito nenhum ler um livro num écrã, por mais avançado e confortável ao olhar que este seja. Não me dá jeito marcar páginas num écrã, não o sei fazer; não me dá jeito não virar páginas de papel; não me dá jeito ir ao índice e depois voltar à página onde estava; normalmente não sublinho livros, mas se o fizesse o écrã tecnológico também não me daria jeito. Enfim, nada num livro electrónico me dá jeito, a não ser a importante razão, que não desvalorizo, de ser mais amigo do ambiente. Foi este, aliás, o principal motivo que me levou a tentar optar pelo kindle, sem grande sucesso.
No entanto, tenho esperança que os livros se continuem a imprimir em papel reciclado para eu poder continuar a lê-los. Preciso de um livro feito de papel, que eu possa dobrar, pôr na mala, deixá-lo escorregar na almofada enquanto adormeço (adoro dormir com livros), uma coisa que tenha peso. Mais importante do que isto, porém, são as memórias que um livro nos deixa. 
Um livro electrónico é um ficheiro num écrã. A única substância que tem é virtual. Se sempre tivessem existido livros virtuais, eu não teria a afeição que tenho pelo meu querido livro Rebecca - lembro-me de, certo  dia, há décadas e décadas, ter contemplado a estante da minha avó, repleta de livros antigos, poeirentos, comos os livros devem ser. Li as lombadas uma a uma, e estaquei nas pequenas letras petras contra um fundo branco, manchado pelo tempo, e que formavam um nome, um nome que eu por acaso adorava, já que sempre gostei da pirosice: Rebecca. Pensei logo que um livro com este título tinha de ser magnífico. E era. 
Se Rebecca apenas existisse em formato electrónico, talvez eu nunca o tivesse encontrado. E, meu Deus, não concebo sequer ler Os Maias pela primeira vez num kindle ou coisa que o valha.  A minha cópia dos Maias anda comigo para todo o lado e gosto de reconhecer todos os riscos, dobras, rugas da capa e das páginas. Como é que isso se faz num livro electrónico, que é sempre igual, todos os dias? Os livros em papel mudam, o papel rasga-se, ou há uma criança que faz um desenho, ou a capa dobra-se e fica meio estragada, mas a beleza deles é mesmo essa, essa imperfeição. 
E depois dizem-me, "ah, mas no kindle podes levar centenas de livros para ler nas férias!", mas o que é que isso me interessa, se eu não consigo ler centenas de livros nas férias, infelizmente? 
E é isto. Sou conservadora, sim, e para bem do ambiente deveria mudar. Talvez isso aconteça, um dia.