sexta-feira, 28 de agosto de 2009

The Dude abides



Gosto tanto, tanto, tanto, tanto, tanto deste filme que nao sou capaz de escrever muito sobre ele sem me entusiasmar.
Primeiro, a personagem principal, o "Dude" (traduzido algumas vezes por "Coiso" em Portugal, e desde ja envio muitos parabens ao tradutor/a que optou por este belissimo e comico termo), e das minhas personagens cinematograficas absolutamente favoritas. Muitissimo bem representado por Jeff Bridges.
Segundo, o uso da lingua neste filme e uma perola. Usam-se palavroes a torto e a direito (penso, ate, que Big Lebowski encabeca a lista de filmes onde se dizem mais palavroes, a par de Good Fellas ou algo parecido), e, como ja escrevi quase ate a exaustao, ilustra perfeitamente como a linguagem "feia" e "tabu" pode, tantas vezes, ser estilisticamente tao rica (este interessante artigo da BBC refere, ate, "the power of quotability" do filme).
Terceiro, o pequeno "cameo", se lhe posso chamar assim, de John Turturro, no seu estranho "The Jesus".
Quarto, linda cinematografia, sequencias oniricas impecaveis (tanto quanto consigo perceber, os irmaos Cohen gostam muito de introduzir onirismo nos seus filmes, e conseguindo cenas visualmente muito interessantes). Exemplo:




Um deleite.
Por ultimo, este filme lembra-me muitos e queridos amigos. E faz-me rir muito, que e tudo o que se pode pedir na vida, amigos e gargalhadas. Hoje estou poetica-lamecha, a idade pesa, I grow old, I shall wear the bottom of my trousers rolled, bla, bla, bla.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Other Voices, Other Rooms


A infancia e a idade mais estranha das nossas vidas. Nao tenho saudades nenhumas da infancia, apenas porque a ignorancia e a dependencia dos adultos me deixam poucas saudades.
Este pensamento ocorre-me devido a ter acabado de ler Other Voices, Other Rooms, o primeiro romance que Truman Capote publicou. Numa escrita muito lirica, cheia de colorido e comparacoes exuberantes, Other Voices... e sobre a solidao da infancia e do crescimento, ou, pelo menos, e um pouco sobre isso.
Adorei o livro, principalmente porque tinha acabado de ler um livro de contos de Fitzgerald que, surpreendentemente, nao me agradou nada. Ha algo na escrita do F. Scott que, resultando tao bem no Gatsby, nao resulta nada nos contos, pelo menos quanto a mim, naqueles que li. Os temas sempre presentes da juventude desperdicada, sem futuro, vacuo, futilidade, a procura constante de algo que justifique a vidinha, pareceram-me condensados demais nas historias. A intensidade das personagens era quase desperdicada, e a escrita vigorosa, mas ao mesmo tempo psicologica, de Fitzgerald nao me seduziu nos contos que li. Nao sei explicar melhor.
Other Voices, Other Rooms e um luxo, muito southern gothic, quase impressionista (as vivas descricoes da densa vegetacao sulista sao uma explosao de cores e sentidos), e muito, muito melancolico, porque fala de memorias. Tambem muito emocional. Tambem um livro onde a figura masculina tradicional, brutal e viril, e uma perpetua fonte de desgosto, miseria, sofrimento. As personagens femininas sao estranhas e submissas, ou carismaticas mas vencidas pelo mundo. Os homens sao feios, porcos e maus, a nao ser que, como o "Cousin Randolph", se distanciem do tradicional papel masculino e optem por uma vida alternativa a todos os niveis, inclusive o da sexualidade.

But we are alone, darling child, terribly, isolated from each other; so fierce is the world's ridicule we cannot speak or show our tenderness; for us, death is stronger than life, it pulls like a wind through the dark, all our cries burlesqued in joyless laughter; and with the garbage of loneliness stuffed down us until our guts burst bleeding green, we go screaming round the world, dying in our rented rooms, nightmare hotels, eternal homes of the transient heart.

Este Capote nunca desilude.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Eusebiozinho


Fico sempre abismada com a quantidade de parques que ha em Londres e, para alem disso, fico ainda mais abismada com o facto de estes imensos, lindos parques, espalhados por toda a cidade (nao e so Hyde Park) terem sempre gente, faca chuva ou sol. Ingleses e estrangeiros, velhos e criancas, caes, gatos, passaros, esquilos, patos e gansos, pululam nos parques londrinos. Bicicletas, triciclos, trotinetes; meninos de tres anos que pedalam sem a ajuda das rodinhas, calmeiroes de T-shirt que treinam o ciclismo avidamente; donas de casa de maquilhagem e calcoes que vao a andar, e adolescentes de fatos de treino da moda cujo jogging energico ultrapassa a dona de casa; familias inteiras de bicicleta, a chuva, o aspirante a poeta que escrevinha a moleskin ao pe do lago, quando faz sol; o casal de namorados que traz o picnic e ensaia o esplendor na relva; o grupo de amigos barulhentos que se alegra com vinho barato em copos de plastico ao fim de semana. Toda a gente aproveita todos os parques.
Ve-se mais natureza e faz-se mais vida exterior em Londres do que em Lisboa, cidade mais pequena, mais agradavel, mais simpatica, menos agressiva, mais soalheira, onde no entanto, e infelizmente, nao sei se pelos dificeis acessos a Monsanto, nao sei se por vergonha, nao sei se pelo apego aos carros, nao sei se pela dificuldade das colinas, enfim, nao sei, toda a gente ainda vive naquela modorra domestica que Eca ridicularizava com o seu Eusebiozinho, que sabia poemas de cor mas morria com as correntes de ar.
Ve-se pouca gente a almocar nas (poucas) areas verdes de Lisboa, por exemplo. Eu acho que e por vergonha. Se calhar, temos medo que os outros pensem que somos pobres e que por isso trouxemos a sandocha de casa. No sitio onde trabalho, nao ha sitio algum onde se possa comer, muito menos aquecer, qualquer refeicao que tentemos trazer de casa, por exemplo, e ninguem aproveita os espacos relvados do exterior para comer um lanchinho que se traz na mala. Toda a gente vai ao cafe gastar dinheiro, e eu propria ja desisti de trazer almoco de casa, porque me sinto ave rara envergonhada, e portanto faco o que os outros fazem, o que tambem e uma vergonha. Nao ha solucao.
Por outro lado, e tambem verdade que os londrinos aproveitam os espacos verdes e a hora de almoco para comer junk da loja da esquina, batatas fritas de pacote, tudo o que seja rapido e barato. Os portugueses ainda conseguem uma sopinha e um croquete por menos de cinco euros. Entre a sopa e o pacote de batata frita, eu, de facto, prefiro a sopa. No entanto, a figura assustadora do domestico, ensaboado, viuvo, mole Eusebiozinho e ainda omnipresente no nosso pequeno Portugal. Somos tao domesticos.
Comeco a pensar que a "domesticidade" e um grave defeito. Qualquer dia, escreverei mais sobre isto.

Misoginia



Ha muita coisa que quero escrever, mas nao ter acesso a um teclado portugues enerva-me solenemente; por outro lado, nao escrever nada tambem me enerva, de modo que vou tentar um qualquer equilibrio, escrevendo posts pequenos e sucintos. A minha vontade e escrever tudo em ingles enquanto nao regressar ao teclado com todos os acentos devidos, mas nao vou deixar que isso aconteca; ja bem basta ter cedido ao estilo piroso de intercalar frases ou palavras em ingles nos posts, portanto era so o que faltava comecar a escrever em ingles apenas devido a falta de teclado decente.
Bom. Esta extensa introducao nao faz grande jus ao meu desiderato inicial, que era, como eventualmente se poderao lembrar, escrever posts sucintos. Assim sendo, e tentando cumprir a minha va promessa (quanto menos escrever, menos necessidade tenho de acentos), o principal objectivo deste post e dizer que cheguei a conclusao de que, nao gostando de misoginia, ha certos misoginos de quem gosto bastante. Ou por outra, ha certos homens, injustamente, quanto a mim, denominados misoginos, de quem gosto muitissimo e que nao merecem a injustica de tal insulto.
Exemplo paradigmatico e D.H Lawrewce, o meu querido D.H., que, ao que parece, nao escrevendo sobre a sexualidade feminina tal como esta e retratada no Sexo e a Cidade, e portanto submetendo as suas heroinas aos desejos carnais de "faunos inquietantes" e muito masculinos (palavras de Simone de Beuvoir no Segundo Sexo, favor confirmar), ao inves de apresentar a mulher como fonte de jurisdicao, desde que roupa vestir a quem levar para a cama, dizia eu, como D.H. Lawrence nao apresentou a mulher assim, pumba, levou com o desagradavel epiteto de "misogino" em muita da meta-literatura que discutiu as suas obras. Sobre isto, tenho uma palavra a dizer: injusto. E mais nao digo, que as obras do querido D.H. explicam tudo e falam por si.
O outro exemplo, que pelos vistos tambem foi apelidado de misogino, e este magnifico J. W. Waterhouse, pintor pre-rafaelita competentissimo e lindo (ou por outra, os quadros sao lindos). Tambem ele foi acusado de misoginia - a mulher e sempre uma forca malefica, que destroi a vida do homem com a sua perfidia. No entanto, parece que uma voz se ergueu em defesa do pintor, chamando a atencao para varios quadros que Waterhouse pintara, nao apenas a pobre sereia indefesa ou a demoniaca Circe, mas tambem a sabia Medeia de quem Jasao depende, ou a sabedoria e poder atribuidos, efectivamente, a Circe, figura que Waterhouse admirava e em que condensa a importancia e o poder femininos. Pronto. Portanto, Waterhouse nao e necessariamente misogino.
Atribuir misoginia a alguem preocupa-me sempre muito, porque me parece que a dita misoginia e grave e perigosa demais para ser mal atribuida, o que muitas vezes acontece. Perde-se energia a vilipendiar artistas que, como diria o Diacono Remedios, sao bons artistas, em vez de canalizar energia para lutar contra a verdadeira misoginia.
E e este o meu pensamento do dia, que formulo com pesar por nao ter conseguido condensa-lo num post mais pequenito. Quem puder ir ver a exposicao do Waterhouse em Londres, que o faca asinha asinha, pois vale muito a pena.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sera seguro nao ter seguro?

Ha duas noticias que tem tomado grande parte da energia dos jornalistas aqui no UK. Uma e a subida do desemprego, e a outra e a validade/futuro/sustentabilidade do NHS, national health service ou, para nos, o servico nacional de saude.
Comecou com declaracoes (ai os acentos, peco tanta desculpa, mas este teclado nao da para mais), dizia, comecou a "polemica" com declaracoes do Partido Republicano de que o NHS, importacao britanica que Obama quer instalar no pais, era "evil" (e, numa versao mais intelectual e sofistificada, "orwelliano") e que deixava hordas de pessoas as portas da morte, em listas de espera, ou recusando-lhes tratamento. Depois, um deputado do Partido Conservador deu umas quantas entrevistas nos Estados Unidos, em que abertamente desvalorizava a existencia de um servico nacional de saude. Resultado: os ingleses foram para o twitter defender o seu bem amado NHS, de tal modo que o sistema foi abaixo (Stephen Hawkings tambem participou, afirmando que o NHS lhe salvara a vida e, aproveitando o "momentum", muitos membros do Partido Trabalhista, nomeadamente Gordon Brown, participaram activamente nas maravilhas da internet, juntado a sua voz a dos outros britanicos que elogiavam o NHS. Os conservadores foram, como o nome indica, mais conservadores e comedidos, e preferiram anunciar em conferencias de imprensa o seu total apoio a instituicao do servico nacional de saude, apesar do colega rebelde ter ido aos States vilipendiar o querido NHS).
Esta historia revela, de imediato, um aspecto periferico mas importante, que e a forma como a internet muda a actividade politica - estou neste momento a ouvir John Prescott na televisao a dizer que fez um discurso no youtube ao povo dos Estados Unidos, para explicar e defender o NHS. Os youtubes e os twitters sao instrumentos rapidos e praticos para o politico estender a sua propaganda e amancebar-se com o "povao".
O mais relevante nesta historia e a discussao da manutencao de um servico nacional de saude e a necessidade extrema, quanto a mim, da sua existencia. Os Republicanos dizem que a "socializacao" da saude e demoniaca, e que condena o Estado a falencia e os doentes a filas de espera. No Reino Unido, muitos dizem ja que o NHS, apesar do emprego que cria, esta perto de se tornar financeiramente incomportavel, principalmente porque se gastam rios de dinheiro em pequenas operacoes que nao sao verdadeiramente relevantes.
O chamado "Estado social" tem sofrido ataques constantes, agudizados pela crise financeira, que nos convence que vamos todos morrer falidos e sem tecto. No entanto, tem de ser possivel uma racionalizacao de custos e a manutencao de um Estado que, no minimo, de educacao e saude de qualidade aos cidadaos. O modelo americano das seguradoras de saude e, para mim, aterrador, e, se por um lado compreendo a falta de dinheiro geral e o envelhecimento da populacao, por outro parece-me que os paises escandinavos, apesar dos impostos altissimos que pagam, dao um bom exemplo. E digo isto enquanto reflicto se investir num seguro de saude sera, ou nao, uma boa ideai.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A policeman held up the traffic, the band walked back and forth a few times and that was that.

Estava a esquecer-me, imperdoavelmente, deste evento importantissimo que, como se compreende, tem de ser enfatizado aqui na Rua, por se tratar do aniversario da foto que da o emblema aqui ao bloguezito.


40 anos e ninguem diria que tem mais de dez, nao e? Cheia de historia, esta fotografia, a comecar nos boatos de que Paul McCartney morrera, a passar pelo magnifico album apropriadamente entitulado "Abbey Road", e a terminar sabe-se la quando e onde. Ja atravessei esta rua algumas vezes e quero continuar a atravessar.

Ferias, ou: o post que nao vou escrever


O blog, e eu, tem andado adormecido na habitual modorra do Verao, em que a mente lentamente se apaga, tal como os acentos desaparecem deste post, porque, mais uma vez, o meu teclado portugues nao esta disponivel. Saber que nao tenho acentos nao torna a escrita nada aprazivel, o que, a juntar a minha preguica, resulta numa indolencia insuperavel. E dai o blog ter andado tao parado, e dai eu nao ter nada na cabeca que permita um post minimamente interessante. A unica ideia que tive ate agora prendia-se com a problematica das unhas, em particular as unhas das senhoras.
O post que me ocorreu escrever, mas que nao vou escrever porque e futil, centra-se na questao de saber se devem as senhoras arranjar as suas unhas. E um problema, porque se nao se arranjar as unhas corre-se o risco de andar por ai com unhas feias, o que e algo repugnante; por outro lado, arranjar as unhas pode dar um ar um tanto ou quanto bimbo, estilo Carmela Soprano, o que tambem nao e o que se quer. Antes de se arranjar a unhaca, ha que considerar o comprimento da unha, que, se muito longo, e de facto bimbo e, se muito curto, fica feio com qualquer tipo de verniz; depois, temos tambem de considerar o tipo de arranjo que se vai fazer, porque se se pintar a unha de preto fica muito gotico, e se se optar pela sofisticada manicura francesa, pode ficar arranjado de mais e inevitavelmente, la esta, exibir umas unhas tipo gel, tipo Carmela Soprano, tipo pessoa que passa a vida no Colombo e sabe as lojas de cor e depila as sobrancelhas ate ficar com duas cruzes ridiculas por cima dos olhos, o que nao e ideal.
De modo que, se eu por acaso escrevesse um post sobre unhas, era neste tipo de questoes que me concentraria. E, como se demonstrou, mais vale nao escrever nada enquanto nao tiver nada de interessante para escrever.
Assim sendo, continuara o blog em banho-maria, esperando eu que, la mais para o fim do Verao, se consiga uma ebulicaozita, uma efeverscencia ligeiramente mais inteligente.

sábado, 1 de agosto de 2009

He's my man


E pronto, acabou a minha contagem decrescente, com toda a glória e pompa, porque ontem fui finalmente ver o grande Leonard Cohen no Atlântico. Queria deixar, ainda na ressaca de o ter visto ao vivo, as seguintes notas:
- Cohen, visivelmente frágil e envelhecido, tocou três horas (três), das 21h às 0h, com um intervalo de 15 mins (? - não me lembro exactamente). Cantou impecavelmente. A voz permanece dura e profunda, irrepreensível, indiferente ao envelhecer do trovador. Um fartote, uma beleza, pagou e recompensou o dinheirinho do bilhete.
- Fundamentalmente um poeta, Leonard cantou e falou com o público, num espectáculo muitíssimo bem organizado e preparado, com grandes músicos, mas ao qual, como seria de esperar, faltou o intimismo. O Atlântico é uma sala enorme, e a sensação de que se estava a ver um espectáculo algo formatado foi mais ou menos óbvia (muito parecido com o concerto de Londres do ano passado, em CD; ao que parece, também quase igual ao de Lisboa do ano passado, a que não assisti).
- grandes músicos a acompanhar o grande Cohen, verdadeiramente excelentes
- Famous Blue Raincoat, Famous Blue Raincoat, Famous Blue Raincoat! (não estava à espera que cantasse, mas cantou, num dos encores - oh meu Deus, oh meu Deus, que beleza assustadora).
- o artista é, de facto, um grande, imenso artista.
- um dos meus sonhos musicais está já concretizado - já vi o grande Cohen ao vivo. Visto que o outro sonho musical que eu acalentava era ver Beatles ao vivo, e uma vez que isso nunca foi possível, terei, rapidamente, de encontrar outro objectivo.
- grande L. Cohen.